“Há uma tentativa de criação de um quinto poder. Democracia não permite isso”, defende o advogado criminal
As últimas declarações do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, que defendeu que não há provas contra o presidente golpista Michel Temer, em um inquérito sobre corrupção na área portuária, estão servindo de argumento para delegados ressuscitarem uma exigência antiga: mais autonomia para a Polícia Federal. A PEC 412/2009, que trata sobre o tema, atualmente se encontra em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e é amplamente criticada como uma ameaça ao Estado de Direito brasileiro.
Na prática, a medida criaria uma lei complementar que dá autonomia funcional, administrativa e orçamentária para a Polícia Federal. O advogado criminalista Rafael Borges, defende que a polícia não pode ser “de forma alguma uma agência que goze de autonomia”, por se tratar de uma força armada.
“A partir do momento que você dá autonomia para a polícia, você deixa de deixá-la no campo de submissão ao órgão de controle, ela pode fazer o que quiser, e uma democracia não permite que uma força armada faça o que ela quiser. Se você não controla a polícia, ferrou, é a barbárie instalada”, opinou.
Borges destaca ainda o poder que a Polícia Federal tem atualmente por meio de exemplos como a Operação Lava Jato e de sua influência no golpe que retirou a presidenta Dilma Rousseff do poder. Ele opina que esses acontecimentos demonstram o quanto o órgão já possui autonomia suficiente.
“Acho que a existência desses mecanismos de controle é extremamente necessária porque hoje a PF é uma das agências mais empoderadas que existem, ela influencia o processo político, eleitoral, o golpe aconteceu por meio de ações da PF. A polícia funciona de tal forma que possa exercer com independência suas atribuições. Mais autonomia do que isso, para que?”, questionou.
De acordo com o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPEF), Luís Antônio Boudens, a PEC foi criada por meio do lobby de um pequeno grupo dentro da organização. Ele destaca que 90% dos agentes são contra a proposta, por acreditar que ela tornaria a instituição mais frágil e que já possui autonomia legislativa.
“O próprio texto da PEC retira tudo que a Polícia Federal tem de melhor: ela como órgão permanente do Estado, a estruturação de carreira, e a manutenção pela União. Há uma tentativa de criação de um quinto poder, um grupo fortalecido, que vai poder gerir o órgão através de uma lei complementar, da forma como for trabalhada no Congresso com eles”, afirmou.
Outra proposta que foi desengavetada por Temer nesta semana é o desmembramento das atribuições do Ministério da Justiça, para que a Polícia Federal passe a fazer parte de uma nova pasta, um possível Ministério da Segurança Pública. A medida também é criticada por Borges.
“É um absurdo. O desenho da Constituição brasileira não abriga um Ministério com essa função de segurança pública porque as atribuições relacionadas a policiamento ostensivo e segurança pública são de estados federais. A criação desse Ministério seria populismo penal puro, você trabalha com a sensação de insegurança, para criar factoides políticos e parecer que está atendendo aos anseios da população”, disse.
A ideia de criar o ministério é antiga, mas é justificada pelo governo atualmente por meio de uma suposta “crise na segurança pública” do país. Nesta sexta-feira (16), Temer assinou um decreto de intervenção federal das Forças Armadas no Rio de Janeiro. A medida colocou um general no comando da Secretaria de Segurança, das policiais e Corpo de Bombeiros de um estado, pela primeira vez desde que a Constituição foi promulgada.
Júlia Dolce
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Edição: Camila Salmazio